Para especialistas, o apresentador de informações vai desaparecer, mas o educador que vai além delas é cada vez mais necessário24/04/2012 07:00:37
Imagine, em um mundo sem internet, o dia em que professores são avisados
que dali para frente uma ferramenta de pesquisa permitirá aos seus alunos ler,
assistir, ouvir e discutir sobre qualquer assunto. Qual seria a reação dos
educadores? Para especialistas, há muito motivo para comemorar: a chance de
obter êxito no aprendizado aumenta. Na vida real, a recepção não foi bem assim.
A falta de adaptação do professor às novas tecnologias e ao aluno influenciado
por elas são tema do segundo dia da série
especial do iG sobre os problemas na formação
do docente.
Deve
explorar o acesso e interesse que os alunos têm para sugerir trabalhos fora de
aula
Deve
introduzir ferramentas tecnológicas dentro da classe
Deve
ajudar o aluno a encontrar fontes confiáveis e fazer pesquisas na internet
Todas
as alternativas anteriores
Deve
ignorá-la. As aulas precisam ter o formato preservado
Outros
(Use o espaço para comentários no fim desta página)
Incluída ou não na
aula, presente ou não na escola, a internet faz parte da rotina dos alunos. Em
2008, quando apenas 23% dos lares estavam conectados segundo o Ibope, o
instituto já apontava que 60% dos estudantes tinham acesso à rede de algum
modo. Em pesquisa realizada nas escolas estaduais do Rio de Janeiro em 2011,
92% disseram estar online ao menos uma vez ao dia.
“O professor pode
escolher como tratar a internet, mas não pode ignorá-la”, diz o pesquisador
emérito de Ciências da Educação da Universidade de Paris 8 e visitante na
Universidade Federal do Sergipe, Bernard Charlot. Ele vê duas possibilidades
para o educador: fazer o que a máquina não sabe ou ser substituído.
“Ninguém pode concorrer com o Google em termos de informação. O professor que ia à frente da sala apresentar
um catálogo vai desaparecer em 20 anos e ser substituído por um monitor”,
afirma sem titubear, emendando um alento: “Por outro lado, o professor que
ensina a pesquisar, organizar, validar, resolver problemas, questionar e
entender o sentido do mundo é cada vez mais necessário.”
O pesquisador
defende que o aparente problema de falta de entrosamento com a tecnologia na
verdade é a lente de aumento que a internet colocou sobre a falta de formação para
a docência. “Não é que o professor não sabe ensinar a pesquisar na internet, é
que ele não sabe ensinar a pesquisar. Muitas vezes é mais simples ainda: o
professor não sabe como ensinar.”
Para ele, a culpa
não é do profissional, mas do sistema engessado que além de não formá-lo não o
deixa fazer diferente. “Não faz sentido começar um trabalho na internet e,
depois de 50 minutos, dizer: a gente continua semana que vem. Assim como cada
professor cuidar de uma disciplina, como se os assuntos não fossem
relacionados, ou tratar de temas sem mostrar na prática para que servem na sociedade
tornam a escola sem sentido.”
A doutora em
linguística e especialista no impacto da tecnologia na aprendizagem Betina von
Staa também culpa principalmente o sistema de ensino pela falta de aceitação da
tecnologia. “Muitos professores não aceitam trabalhos digitados apenas para
evitar cópias. A preocupação é maior com o controle de notas do que com as
possibilidades de aprendizado”, lamenta.
Foto: O DiaPesquisa em
escolas públicas do Rio mostrou que 92% acessam internet todos os dias, em
casa, na escola e até no celular
Na opinião dela, o
aluno precisa de orientação para procurar informações confiáveis e questionar
dados encontrados na internet. “Todas as pesquisas apontam que a tecnologia
traz benefícios, porém desde que venha com formação dos professores para dar
apoio.”
O Colégio Ari de Sá, em Fortaleza, é um exemplo de excessão na
introdução da tecnologia na sala de aula. Além de equipamentos - lousas
digitais, computadores e até tablets para os alunos que preferirem o equipamento aos livros - a escola tem
formação para os professores diariamente e no contexto das aulas. O coordenador
de informática educativa, Alex Jacó França, passa em cada sala tirando dúvidas
dos professores e dá dicas de como incluir ferramentas online em cada tópico.
"Muitos temas
que passariam sem grande interesse aos alunos acabam ganhando vídeos e
experimentos que os marcam. Quanto mais o professor conhece, maior a liberdade
que dá ao aluno no formato de suas pesquisas e melhor o aprendizado",
garante o especialista. Para ele, mesmo nos casos em que as escolas não têm
equipamento, o conhecimento do professor para incentivar o uso de tecnologias e
a abertura para deixar os alunos irem além dos livros faz a diferença.
Durante fórum sobre
tecnologia e educação promovido pela Blackboard no último dia 12, em São Paulo,
educadores estrangeiros sustentaram opinião parecida. A diretora de avaliação
da Universidad Cooperativa de Colômbia, Maritza Randon Rangel, afirma que a
democratização do acesso à rede dá oportunidade para que mesmo escolas rurais e
afastadas tenham desempenho equivalente às que estão mais próximas de recursos
culturais e financeiros. “Tivemos êxito com isso na Colômbia, mas além das
máquinas é preciso uma equipe com objetivos claros.”
“
Muitos temas que passariam sem grande
interesse aos alunos acabam ganhando vídeos e experimentos que os marcam.
Quanto mais o professor conhece, maior liberdade dá ao aluno e
melhor o aprendizado",
Alex Jacó, coordenador de informática educativa
Alex Jacó, coordenador de informática educativa
Já a pedagoga
Patrícia Patrício, mestre em Formação de Professores pela Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG) e autora do livro “São Deuses os Professores?”, defende
que os educadores de sucesso conseguem êxito com ou sem ajuda da escola. “Em
geral profissionais que se destacam fazem isso, apesar da escola”, conta.
É o caso de professores premiados em todas as edições das Olímpiadas
Brasileiras de Matemática, como Antonio
Cardoso do Amaral, de Cocal dos Alves, no Piauí, e Maria
Botelho, de Uberlândia, em Minas Gerais. Ambos não têm formação
ou estrutura tecnológica acima da média da rede pública nas escolas, mas incentivam
os alunos a usá-la em casa e valorizam dúvidas e exercícios trazidos dentro ou
fora do contexto da aula. “Às vezes chego em casa e um aluno me deixou uma
dúvida no Facebook, eu adoro, significa que eles estão indo além da aula”, diz
Botelho.
Continue
acompanhando a série:
Esta foi a segunda reportagem de uma série iniciada na segunda-feira que mostrou como osprofessores
não são preparados para ensinar desde o curso na
faculdade. Nesta quarta-feira , reportagem fala
das dificuldades da formação interna nas escolas.
Na quinta-feira , último dia do especial, profissionais dedicados a mapear práticas
didáticas bem sucedidas vão dizer quais são elas e dar dicas práticas e
aplicáveis para obter mais sucesso no aprendizado.
Cinthia Rodrigues, iG São Paulo |
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